Boiada em margem de igarapé desmatada ilegalmente no município de Altamira, Pará (Foto: Tasso Azevedo/OC)

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“Zerar desmate em 2030 não basta mais”, diz cientista

Luciana Gatti, do Inpe, alerta que leste amazônico já tem mais árvores morrendo do que crescendo e que emissões subiram 122% em 2 anos de Bolsonaro

02.08.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

DO OC – A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de zerar o desmatamento na Amazônia em 2030 pode ser pouco demais e tarde demais: em algumas regiões da floresta sinais de colapso já começaram. O alerta é de Luciana Gatti, pesquisadora do Inpe que causou pânico na comunidade científica em 2021 ao mostrar que o sudeste da Amazônia já emite mais gases de efeito estufa do que absorve.

“A gente tinha que estar determinando hoje um estado de emergência na Amazônia: é proibido desmatar e multa alta pra quem taca fogo de julho a outubro”, disse a cientista a jornalistas nesta quarta-feira (2). “As coisas estão muito piores e esse objetivo que a gente tinha lá atrás não serve mais. Não e só parar de desmatar, precisa recuperar floresta perdida.”

Gatti falou no evento de lançamento de uma proposta de mais de 50 organizações da sociedade civil para que o Tratado de Cooperação da Amazônia comece a negociar um protocolo justamente para evitar o ponto de não-retorno do bioma.

Os chefes de Estado da OTCA (Organização para o Tratado de Cooperação da Amazônia) se reúnem na próxima semana em Belém para discutir como avançar a cooperação para a proteção da floresta. Os governos do Brasil e da Colômbia tentam incluir na declaração da cúpula um compromisso dos nove países amazônicos para zerar o desmatamento até 2030. Segundo a pesquisadora do Inpe, não dá para esperar tudo isso.

O chamado “ponto de virada” da Amazônia é teorizado desde o final dos anos 1980. Estudos pioneiros do brasileiro Carlos Nobre, do indiano Jagadish Shukla e do inglês Pier Sellers mostraram que o desmatamento desenfreado poderia retirar chuvas da Amazônia a ponto de transformar a floresta num tipo de savana empobrecida, com morte maciça de grandes árvores e emissão de carbono, agravando o aquecimento da Terra.

Esse ponto de não-retorno havia sido estimado em 40% de desmatamento, mas estudos recentes, que consideram a soma dos impactos do aquecimento global e do desmatamento, colocaram o limite em 20% a 25%. O desmatamento na Pan-Amazônia já chegou a 15%; no Brasil, passou de 20%.

Luciana Vanni Gatti, pesquisadora do Inpe (Foto: Reprodução)

Gatti enumerou os sinais de estresse do bioma: a porção leste da Amazônia, 30% desmatada, já emite oito vezes mais CO2 do que a oeste, onde o desmatamento acumulado é de 11%; em 2020, a perda de chuva na estação úmida (o “inverno” amazônico) chegou a 23%; e, no sudeste da floresta, região que abarca Tocantins, sul do Pará e norte de Mato Grosso, a temperatura média subiu 3,1oC em agosto e setembro. “É por isso que naquela região morre mais árvore do que cresce hoje”, afirmou a pesquisadora. “O colapso climático já chegou e vai ser cada vez pior.”

Gatti e seus colegas deverão publicar em breve no periódico científico Nature uma análise das emissões de carbono do oeste da Amazônia, justamente a região mais preservada. O trabalho, já disponibilizado em 2022 na forma de artigo preliminar (preprint), mostra que, entre 2019 e 2020, as emissões de CO2 cresceram 122% na floresta, na esteira do aumento do desmatamento no preservado oeste amazônico – sobretudo o sul do Amazonas, onde o ora governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fez de tudo para pavimentar a rodovia BR-319, consolidando a região como um ponto quente de desmatamento.

Perguntada sobre o que ocorreria na floresta neste ano de El Niño intenso, Gatti riu: “A gente não precisa se preocupar com El Niño. Temos um El Niño brasileiro. Bolsonaro é o El Niño brasileiro. Eles conseguiram fazer com que a Amazônia emitisse como no pior El Niño histórico, o de 2015-2016”.

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