Terra Indígena Pirititi, Roraima. (Foto: Felipe Werneck)

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Brasil precisa cortar emissões em 92% até 2035

Observatório do Clima publica nova proposta de meta climática para o país; para se adequar a 1,5oC, teto de emissões deveria ser de 200 milhões de toneladas.

26.08.2024 - Atualizado 26.08.2024 às 18:07 |

PRESS RELEASE

Se quiser liderar pelo exemplo o combate à crise do clima, como prometeu o presidente Lula, o Brasil deverá cortar suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 92% até 2035 em relação a 2005, quando o país emitiu 2.440 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente. Isso significa limitar a emissão a 200 milhões de toneladas líquidas. Esta é a principal conclusão da proposta de nova meta climática para o país apresentada pelo Observatório do Clima nesta segunda-feira (26/8).

Construído por dezenas de organizações e baseado na melhor ciência disponível, o documento mostra o que o país precisa entregar em termos de corte de emissões se quiser dar sua contribuição justa para limitar o aquecimento da Terra a 1,5oC acima do período pré-industrial, como determina o Acordo de Paris. Hoje, as metas agregadas de todos os países nos levariam a um mundo quase 3oC mais quente, mesmo se fossem cumpridas integralmente.

O Brasil, como sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e presidente da COP30, no ano que vem, precisa entregar à ONU até fevereiro do próximo ano um plano climático nacional (NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada) ambicioso, que inspire outros países do G20 a aumentar suas metas. 

Até agora, porém, não há nenhuma indicação de que a NDC oficial do Brasil, ou de outros grandes poluidores climáticos, vá ser compatível com o que a atmosfera necessita para evitar os piores impactos da crise climática. “Colocamos essa proposta na mesa para estabelecer a barra de ambição e dizer ao governo não apenas o que o país precisa fazer, mas principalmente o que tem condições de entregar”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do OC).

Esta é a terceira proposta de NDC da rede. Em 2015, o OC foi a primeira organização da sociedade civil no mundo a elaborar uma meta, que considerava a contribuição justa do Brasil – uma definição que fatora a responsabilidade histórica e a capacidade de agir, dada pela renda per capita – para o esforço global de corte de emissões. Naquele ano, o OC propôs uma meta absoluta para toda a economia de limitar as emissões a 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente até 2030. 

Em 2020, enquanto o país “pedalava” na meta e apresentava uma atualização da NDC que na prática significava menos ambição, o OC elaborou sua primeira NDC compatível com 1,5oC, propondo uma redução de 83% (para 400 milhões de toneladas) em relação a 2005. 

A NDC do OC de 2024 segue as orientações do Balanço Global do Acordo de Paris, finalizado na COP28, em Dubai. Ela traz uma meta para 2035 compatível com 1,5oC, aumenta a ambição da meta de 2030 e inicia a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no Brasil, propondo a redução do uso deles  em 42% (80% do carvão mineral, 38% dos derivados de petróleo e 42% do gás fóssil). “Com essa redução na demanda, estimamos que o país não precise licenciar novos projetos de óleo e gás, cumprindo a recomendação da Agência Internacional de Energia de barrar a expansão de novos empreendimentos fósseis para cumprir o objetivo do 1,5oC”, diz Tsai.

A trajetória de emissões líquidas proposta para o país é resumida no gráfico abaixo: 

*NCI: Referem-se a emissões e remoções não contabilizadas no Inventário brasileiro.

O cumprimento da meta se apoia em cinco pilares principais: a redução do desmatamento a quase zero em todo o país (limitado a um máximo de 100 mil hectares por ano a partir de 2030), a recuperação do passivo do Código Florestal, de 21 milhões de hectares de cobertura vegetal, o sequestro maciço de carbono no solo pela forte expansão de práticas agropecuárias de baixa emissão, a transição energética para fora dos combustíveis fósseis e a melhoria da gestão de resíduos. 

No setor de energia, as ações incluem uma forte expansão do transporte público, com a construção de 4.000 km de vias de BRT, a substituição total da gasolina por biocombustíveis e eletricidade em carros de passeio e a instalação de 70 gigawatts de energia eólica e 95 gigawatts de solar. No setor de resíduos, as reduções de emissão viriam da universalização do saneamento e da erradicação dos lixões – medidas já inscritas em lei no país.

O OC também propõe uma série de medidas de adaptação, entre elas o desenvolvimento de novos cenários de avaliação de risco climático e a inclusão da análise de impacto e risco climático em todo o orçamento público. Além disso, a NDC traz a proposta da realização, em dois anos, de um grande diagnóstico sobre perdas e danos no país, algo crucial num momento em que recifes de coral, o Pantanal e grande parte da Amazônia sofrem com uma sequência de eventos climáticos extremos. 

“O que propomos aqui não é nada menos que uma transformação da economia brasileira. Parece radical, mas o mundo está num momento de radicalização da emergência climática. Como resultado de décadas de inação, todos os países terão de investir ao mesmo tempo em cortes agudos de emissão e em medidas amplas de adaptação ao clima”, diz Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC. “A alternativa a isso é vermos todos os anos daqui para a frente a repetição de tragédias como as enchentes do Rio Grande do Sul e termos de arcar com os custos humanos e econômicos disso. Não há país que dê conta”. Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, destaca o contexto internacional: “Na agenda climática, ambição e exemplo são fatores decisivos. É o que apresentamos nesta proposta de NDC. Realizá-la é possível e faria o Brasil ocupar de forma contundente a posição de liderança de que o mundo tanto necessita.”

Declarações

 “Nessa NDC, o setor de mudanças de uso da terra focou em dois processos essenciais: zerar o desmatamento – meta que está reiteradamente presente nos discursos dos nossos governantes – e fazer cumprir o Código Florestal, com a recuperação de todos os 21 milhões de hectares de passivo ambiental. É a medida justa para que o Brasil consiga solucionar a dívida que assumiu com o planeta, relacionada principalmente ao setor de mudanças de uso da terra.” Bárbara Zimbres, pesquisadora do Ipam

 “As estratégias de mitigação e transição na agricultura e pecuária passam por um aumento da eficiência produtiva ao mesmo tempo em que se promove a expansão de práticas de baixo carbono para se chegar a um solo recuperado, conservado e bem manejado. É essencial também reduzir o tempo de abate dos animais bovinos, principais responsáveis pelas emissões de metano hoje no Brasil. A implementação e o monitoramento dessas ações, em conjunto com sistemas financeiros de incentivos que incluam os pequenos agricultores, são peças-chave para acelerar a transição justa dos sistemas agroalimentares.” Renata Potenza, especialista em políticas climáticas do Imaflora

“A NDC do OC se preocupa fortemente em considerar um cenário de contínuo crescimento econômico para o Brasil. E o país poderá continuar a crescer nos setores de energia e indústria, sem causar explosão de gases de efeito estufa. Pelo contrário, projeta-se que as emissões desses setores possam cair mais de 30% entre 2022 e 2035. Isso tudo a partir de uma transição energética que priorize a utilização de eletricidade limpa e combustíveis renováveis, além de medidas de eficiência no transporte e no uso de energia.” Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Iema

“A redução de cerca de 27% das emissões de resíduos até 2035 incorpora aspectos cruciais do setor, como a universalização da cobertura da coleta de efluentes domésticos e a erradicação de lixões. Incluímos ainda a valorização dos resíduos por meio de compostagem e reciclagem; aumento do aproveitamento energético do biogás gerado em aterros; e melhorias de processos no tratamento de esgotos. O maior desafio do setor é conseguir cumprir as metas das políticas setoriais de saneamento, o que garantirá melhor qualidade de vida para a população.” Íris Coluna, assessora de monitoramento, reporte e verificação do Iclei

“A adaptação na NDC do OC tem múltipla abordagem e transversalidade de temas essenciais à ciência do clima e à construção das políticas públicas. São exemplos: a garantia do direito à cidade e da salvaguarda de direitos das populações tradicionais e dos grupos vulnerabilizados. Destaca-se a proposta do OC de criação de um Fundo Nacional de Adaptação, nos moldes do Fundo Amazônia, incluindo captação nacional e internacional, para destinação de recursos não reembolsáveis aos territórios prioritários que sejam reconhecidos tecnicamente como de maior risco aos eventos extremos.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima

 “Incluir um eixo de análise na NDC voltado para a justiça climática significa garantir que a agenda de mitigação tenha os resultados esperados e ajude a corrigir as desigualdades estruturais que aprofundam a emergência climática para as pessoas negras e indígenas, para as mulheres, crianças, pessoas com deficiência e pessoas idosas. Reconhecer que há diferença entre as populações impactadas é fugir do discurso raso e das políticas superficiais, para construir um conjunto global de respostas que garanta mais vidas enquanto buscamos o equilíbrio do planeta.” Thaynah Gutierrez, secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista

“A NDC pontua a necessidade de reconhecer e demarcar os territórios tradicionais costeiros e marinhos. Essa medida não só é fundamental no enfrentamento às mudanças climáticas, mas também uma grande estratégia de adaptação, uma vez que o uso e ocupação desses espaços contribui para a conservação da linha de costa, das praias e dos manguezais. Já o reconhecimento da pesca artesanal como uma atividade de baixo impacto e produtora de alimento de qualidade também é fator de inovação e coloca a centralidade das comunidades tradicionais pesqueiras na conservação socioambiental.” Henrique Callori Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 119 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática (oc.eco.br). Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil (seeg.eco.br).

Documentos:

Proposta do Observatório do Clima para a Segunda Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil no âmbito do Acordo de Paris

FAQ – entenda a proposta de NDC do OC

Apresentação em slides – proposta de NDC do OC

Nota Técnica – Bases para proposta de 2a NDC para o Brasil

Brazil’s Fair Share of global 1.5°C-consistent mitigation through 2035

 

Informações para imprensa

Solange A. Barreira – Observatório do Clima

[email protected]

+ 55 11 9 8108-7272

 Claudio Angelo – Observatório do Clima

[email protected]

+55 61 9 9825-4783

 

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