Ibama combate desmatamento ilegal na Terra Indígena Pirititi, Roraima. (Foto: Felipe Werneck)

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Desmatamento zero planejado

Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) é retomado, mas faltam detalhes na versão preliminar

25.04.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

DO OC – Termina amanhã, quarta-feira (26/4), a consulta pública do novo Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). A sociedade em geral, especialistas e organizações não-governamentais podem enviar sugestões on-line. Criado em 2004, o Plano de Ação teve quatro edições, mas foi interrompido em 2019 pela gestão de Jair Bolsonaro (PL). A edição preliminar apresentada em 10 de abril para consulta tem como principal objetivo zerar o desmatamento da Amazônia até 2030. 

Segundo o governo federal, o documento foi construído a partir da experiência acumulada nas quatro fases anteriores do plano e dos bons resultados obtidos, ao reduzir 83% do desmatamento da floresta entre 2004 e 2012. A 5ª fase do PPCDAm prevê ações de 13 ministérios liderados pelo Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima. Acima da pasta chefiada por Marina Silva, fica a Casa Civil, com a responsabilidade de definir e coordenar ações interministeriais para a redução dos índices de desmatamento. 

Para Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação da WWF-Brasil, a 5ª fase do PPCDAm acerta ao colocar a Casa Civil novamente no topo — a pasta havia saído da coordenação em 2013, durante a 3ª fase. “A Casa Civil tem um comando central, tem a capacidade de chamar a responsabilidade dos ministérios, cobrar o que tem sido colocado nos planos, as integrações, os avanços, os dados. É o governo federal de fato olhando o desmatamento. E não apenas o Ministério do Meio Ambiente [e Mudança do Clima]”, diz.

A especialista também destaca como ponto positivo o uso de inteligência para o combate de atividades criminosas na Amazônia. Ana Carolina, no entanto, sentiu falta da apresentação de metas e prazos para conter o desmatamento. “A gente tem uma grande meta de desmatamento zero, mas faltam elementos para a gente avaliar e sugerir. É uma coisa prevista para o plano operativo, mas faltou [na versão preliminar para consulta pública] para termos uma visão mais completa”.

Ana Carolina ainda ressalta que faltou clareza sobre o envolvimento do setor privado nas ações, quanto à participação da sociedade nos processos de maneira continuada e sobre como será a transparência de informações e a relação integrada com os governos estaduais. “Os planos estaduais, pelo histórico de atuação, sempre foram pouco alinhados ao governo federal. Como o governo está prevendo esse diálogo, que é um diálogo que precisa ser contínuo, não pontual, para o alinhamento das ações?”, questiona. “É um ponto superficial no plano, mas que a gente vê como muito relevante”, completa.             

A 5ª fase do PPCDAm conta com quatro eixos, 12 objetivos e 176 linhas de ação para 36 resultados esperados. Confira abaixo:

Eixo I – Atividades produtivas sustentáveis

  • Objetivo 1 – Estimular atividades produtivas sustentáveis;
  • Objetivo 2 – Promover o manejo florestal sustentável e a recuperação de áreas desmatadas ou degradadas; e
  • Objetivo 3 – Fortalecer a articulação com os estados da Amazônia legal nas ações de fomento às atividades sustentáveis.

Segundo o documento, um dos principais desafios da 5ª Fase do PPCDAm é a consolidação do eixo de atividades produtivas sustentáveis como um vetor para a redução do desmatamento e transformação da realidade amazônica. 

A bioeconomia é citada como estratégica, sendo o apoio às cadeias produtivas locais um requisito para a conservação da floresta e inclusão social das populações que dependem dela. O texto também destaca que é essencial que haja ampliação do manejo florestal sustentável e o fortalecimento da gestão das florestas públicas, por meio das concessões florestais, como mecanismo de ampliação da governança florestal e geração de oportunidades de emprego e renda. Por fim, é dito que as articulações entre os governos estaduais e municipais da Amazônia são indispensáveis para a boa governança. Nesse eixo também é citado o incentivo à participação do setor privado e a ampliação e fortalecimento de parcerias com organizações da sociedade civil.

Patrícia Cota Gomes, secretária-executiva adjunta do Imaflora, ressalta que há uma importância muito grande em as atividades produtivas sustentáveis aparecerem no eixo 1. “As atividades produtivas sustentáveis são chaves para o controle do desmatamento da Amazônia”, justifica. Para Patrícia, todos os gargalos da sociobieconomia estão contidos no PPCDAm, mas precisam ser refinados. 

Patrícia, no entanto, destaca que é essencial que seja assegurado a disponibilização de recursos financeiros para a implementação das ações previstas no plano. Lembra que a articulação interministerial precisa ser robusta. A articulação entre o governo federal, estados e municípios também precisa ser implementada e efetiva. “Vai ser um teste de fogo para mostrar o quanto o governo está pronto para fazer essa articulação [entre estados e municípios]. Não há dúvidas de que sem ela vai ser muito difícil colocar o plano no chão”, reforça.

Eixo II – Monitoramento e controle ambiental 

  • Objetivo 4 – Garantir a responsabilização pelos crimes e infrações administrativas ambientais ligados ao desmatamento e degradação florestal;
  • Objetivo 5 – Aprimorar a capacidade de monitoramento do desmatamento, incêndios, degradação e cadeias produtivas;
  • Objetivo 6 – Prevenir e combater a ocorrência dos incêndios florestais; e
  • Objetivo 7 – Fortalecer a articulação com os estados da Amazônia Legal nas ações de fiscalização ambiental.

O eixo 2 integra diversas ações para monitoramento e controle ambiental, como atividades de fiscalização fiscal, financeira, mineral, fundiária e de sanidade animal para ampliar as sanções aos desmatadores ilegais. Para isso, o governo pretende criar uma instância de coordenação interagências para potencializar a atuação conjunta no combate aos crimes e infrações ambientais e outra para produção de inteligência. Outra ação é a realização de concursos para a contratação de servidores. 

De acordo com a advogada Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, o eixo monitoramento e controle traz atualização necessária para a realidade de 2023, ao expor a dinâmica atual de desmatamento na região e sua complexidade. A especialista acredita que os objetivos estratégicos e linhas de ação propostos para esse eixo fazem sentido.

Suely Araújo também questiona sobre as fontes de financiamento e a articulação entre diferentes governos. “Quanto teremos em termos de recursos orçamentários para a realização das tarefas que cabem a cada ministério? O que pode ser lastreado por projetos aprovados no âmbito do Fundo Amazônia e fontes similares? Qual é a perspectiva em termos de cronograma para o alcance dos resultados previstos? Indo além do foco federal, qual é o papel esperado dos governos subnacionais?”. 

A advogada ressalta que cabe ao governo federal detalhar esse plano na perspectiva operacional e que os desafios para o controle do desmatamento na Amazônia são gigantescos e o êxito virá com um planejamento robusto, que necessita ser colocado em prática com máxima urgência.

Eixo III – Ordenamento fundiário e territorial

  • Objetivo 8 – Garantir a proteção das terras públicas não destinadas;
  • Objetivo 9 – Ampliar e fortalecer a gestão das áreas protegidas;
  • Objetivo 10 – Avançar na regularização ambiental com o aprimoramento do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar); e
  • Objetivo 11 – Alinhar o planejamento dos grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura com as metas nacionais de redução do desmatamento.

O governo federal afirma que o ordenamento fundiário e territorial da Amazônia tem um forte potencial para conter a dinâmica de desmatamento na região, ao disciplinar e promover os direitos de acesso à terra e propor diretrizes para a ocupação e o uso do território em bases sustentáveis. Para isso, deve haver o fortalecimento da presença do Estado na região para coibir a grilagem de terras públicas, exploração desordenada dos recursos naturais e impunidade dos crimes ambientais.

Em artigo de opinião publicado no site Plenamata, Brenda Brito, advogada e pesquisadora associada do Imazon, destaca o objetivo 11 sobre planejamento de grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura. A pesquisadora explica que esse objetivo determina o fortalecimento da avaliação dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) para obras. Cita como exemplo a Licença Prévia em revisão para a pavimentação da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) que já tem estimulado o aumento da devastação da floresta, como o próprio PPCDAm mostra.

A pesquisadora também considera importante adicionar ao objetivo uma articulação com governos estaduais, pois há projetos que são estimulados ou licenciados por governos estaduais, que também podem afetar a meta de desmatamento zero.

Brenda ainda chama a atenção para que o PPCDam considere a ameaça de enfraquecimento da legislação de licenciamento ambiental em pauta no Congresso Nacional. “O PL 2.159/21, que está no Senado, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2021 e prevê diversas mudanças preocupantes. Por exemplo, o PL reduz a capacidade do poder executivo de demandar ajustes e medidas de mitigação apropriadas em processos de licenciamento. Caso seja aprovado, será uma barreira à implementação do objetivo 11 proposto no Plano”, diz.

Eixo IV – Instrumentos normativos e econômicos

  • Objetivo 12 – Implementar (criar, aperfeiçoar) instrumentos normativos e econômicos para controle do desmatamento.

Na área normativa, o governo federal cita que um dos primeiros desafios é a revisão e atualização do Decreto 6.321/2007 sobre a política de municípios prioritários para a prevenção, monitoramento e controle do desmatamento na Amazônia. 

Na área de incentivos econômicos, é dito que um dos principais desafios está relacionado às atividades produtivas sustentáveis e trata do estabelecimento de uma estrutura de incentivos que reconheça custos de implementação e valorize externalidades positivas. Reforça que é importante avançar na efetiva remuneração da prestação de serviços ambientais e atribuição de valor econômico aos ativos ambientais do país como uma medida estratégica para acelerar a redução do desmatamento. Além disso, diz que um dos principais objetivos do PPCDAm é promover articulação e sinergia entre os instrumentos de políticas públicas para ampliar o seu alcance e benefício territorial, como o Fundo Amazônia, também retomado neste ano, e outros fundos de financiamento. 

Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação da WWF-Brasil, comenta que é fundamental que diferentes mecanismos financeiros sejam desenvolvidos para estimular boas práticas e regularização ambiental. “A gente precisa ter esse fluxo de recursos para estimular a mudança de comportamento na prática, para facilitar os negócios”, diz.

A consulta pública recebeu 141 sugestões até a manhã desta terça-feira (25). (PRISCILA PACHECO)[:]

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