Do que o agronegócio tem medo? – Artigo de Paulo Moutinho para a Folha
Em 2012, a bancada ruralista realizou o sonho que acalentava havia mais de uma década: mudar o Código Florestal. A lei foi enfraquecida e recortada sob medida para atender aos interesses dos terratenentes. Agora que o governo dá sinais de que está disposto a fazê-la cumprir, o agro “pop” parece se arrepender.
No centro da polêmica está a decisão do governo federal de abrir para consulta pública os dados do Cadastro Ambiental Rural, o CAR. De agora em diante, qualquer cidadão pode olhar imagens de satélite de mais de 3 milhões de propriedades rurais em todo o país para saber se elas estão desmatando ilegalmente ou recuperando florestas. A plataforma (www.car.gov.br/publico/imoveis/index) foi anunciada no dia 28, mesma data em que saíram os dados que mostram um aumento de 29% no desmatamento na Amazônia em 2016 – uma má notícia para um governo que ainda busca se firmar frente à opinião pública.
A medida causou alvoroço entre os ruralistas, que já haviam pedido publicamente a cabeça do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, para conseguir isenções na lei de licenciamento ambiental. Representantes do setor vaticinaram que Sarney estaria assinando a própria demissão ao abrir o CAR ao público. Segundo eles, trata-se de uma violação de privacidade inadmissível, uma entrega de informações estratégicas do agronegócio brasileiro à concorrência estrangeira – ou, pior, às ONGs ambientalistas.
Tal discurso contraria os interesses do próprio setor produtivo. Primeiro, ao ressuscitar a polarização tola entre “produção” e “preservação”, que os ruralistas juraram que a mudança no Código Florestal viria sanar para sempre. Segundo, ao sinalizar para o mercado internacional de commodities que o velho Brasil do desmatamento sem controle e dos desmandos do latifúndio parece estar de volta.
Os ruralistas fariam bem em ler a lei que eles mesmos aprovaram em 2012. Lá está escrito que o Cadastro Ambiental Rural é um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais (…) compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”. Transparência, portanto, está na própria essência do instrumento. O ministro do Meio Ambiente está apenas dando o “cumpra-se” a uma previsão legal. Com atraso, aliás.
O monitoramento, além disso, não é uma invenção nova: satélites feitos pelos norte-americanos, os principais “concorrentes” do agro brasileiro, observam o Brasil rural nos mínimos detalhes desde a década de 1970. O Ibama mantém na internet desde 2008 uma lista de propriedades embargadas por desmatamento ilegal, que, diferentemente do CAR, contém o nome de cada proprietário.
Além de tudo, a transparência é uma oportunidade comercial para o Brasil. Tradings do agronegócio e grandes compradores de commodities, que respondem a importadores exigentes, e bancos que aderem a protocolos verdes terão sua vida imensamente facilitada pelo cadastro ambiental público. Setores mais modernos do agronegócio já perceberam isso – tanto que a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, da qual a Sociedade Rural Brasileira faz parte, manifestou-se publicamente a favor da transparência.
A parcela minoritária, mas estridente, de representantes do agronegócio que opta por tentar matar o mensageiro em vez de escutar a mensagem deve ter algo muito grave a esconder.
PAULO MOUTINHO, biólogo, é pesquisador-sênior do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), organização integrante do Observatório do Clima e do Observatório do Código Florestal