Eleições na Geórgia abrem caminho para a implementação de uma ambiciosa agenda ambiental nos EUA
Com maioria no Congresso, Partido Democrata poderá aprovar avanços na área ambiental
Apesar das cenas de horror registradas durante invasão do Capitólio, os Estados Unidos encerraram a quarta-feira (6/1) dando um passo importante que poderá viabilizar a implementação da ambiciosa agenda climática prometida pelo novo governo. Com a vitória de dois democratas nas eleições de segundo turno do Senado na Geórgia, o partido garantiu maioria no Congresso, o que representa um caminho menos tortuoso para que Biden cumpra suas promessas de campanha, que incluem um plano econômico de U$ 2 trilhões (R$ 10,8 trilhões) em quatro anos para reduzir emissões. O plano prevê que os EUA façam uma transição para energia limpa, cortando as emissões de carbono do setor elétrico até 2035, o que ajudaria o país a zerar as emissões líquidas até 2050.
A eleição do jovem Jon Ossoff, de 33 anos, e do reverendo Raphael Warnock, primeiro negro a representar a Geórgia no Senado, faz com que os EUA tenham, primeira vez desde 2011, uma maioria democrata em todo o Poder Executivo. O cientista político Eduardo Viola, professor da UnB, entende que o atual cenário cria uma nova e mais promissora expectativa para o início do próximo governo, além de abrir caminho para que a presidência consiga avançar com mais facilidade a aprovação de leis ambientais. A situação favorável ao presidente, no entanto, impõe também uma maior expectativa para que ele transforme, de fato, as promessas feitas ao longo dos últimos meses em ações concretas. Mesmo com o Congresso a seu favor, Biden terá o grande desafio de restaurar a governança doméstica e internacional da mudança climática que foi degradada ao longo dos últimos quatro anos do governo Trump.
Durante a campanha eleitoral, o democrata apresentou um cronograma de audaciosas medidas de mitigação a serem implementadas até 2050. Chamada “Plano para Mudança Climática e Justiça Ambiental”, essa agenda propõe, entre outras coisas, “reconstruir a infraestrutura decadente do país – de estradas e pontes a espaços verdes e de sistemas de água a redes de eletricidade e banda larga universal”, que deve ser pensada com a utilização de materiais avançados, como aço e cimento de baixo carbono; atingir uma matriz elétrica de zero carbono em 2035, o que colocaria os EUA, pela primeira vez, próximos da meta de outros grandes emissores; além de um investimento alto em energias solar, eólica, hidrogênio verde e nas baterias residenciais, de veículos e industriais. Para honrar o plano, o governo tem três caminhos a seguir: o primeiro se refere às decisões no âmbito da política externa, que não necessariamente necessitam da anuência do Congresso. O segundo, que são medidas de política ambiental e climática doméstica, podem ser viabilizadas por Executive Order, algo parecido com a Medida Provisória no Brasil, e só podem ser derrubadas por tribunais federais de segunda instância ou pela Suprema Corte. Já a terceira via, que será a mais impactada pela eleição do Senado, é aquela cujas decisões são dependentes de leis. Essas precisam, necessariamente, ser aprovadas pelo Congresso.
De acordo com escritor e analista político Sergio Abranches, a nova configuração no governo americano deve facilitar também o retorno mais rápido dos Estados Unidos ao Acordo de Paris. Em novembro do ano passado, sob o governo de Donald Trump, o país havia se retirado oficialmente da negociação climática. “A ratificação do Congresso não é necessária para esse retorno ao Acordo, mas fortalece o movimento e impede novos retrocessos”, explica. No entanto, Abranches destaca que os planos mais ambiciosos do governo em relação às políticas climáticas ainda devem enfrentar resistência de setores tradicionais, como a siderúrgica e a indústria do petróleo. “Isso pode fazer com que, mesmo com a maioria no Congresso, o governo tenha que negociar, já que esses setores financiam também os democratas”, argumenta.
O próximo dia 20 de janeiro, quando Biden assume o cargo, significará não só uma virada na política americana em prol da agenda climática, mas também trará um novo fator de pressão para o Brasil. Com os EUA, segundo maior poluidor do mundo, adotando políticas ambientais voltadas à redução nas emissões de CO2, o presidente Jair Bolsonaro, aliado de Donald Trump, fica ainda mais isolado no cenário internacional com seu discurso negacionista. O atual governo, cuja política de desmonte ambiental tem resultado, entre outras coisas, no aumento das queimadas na Amazônia e Pantanal, não encontrará mais o ombro amigo do “Big Brother”. Se as críticas de Biden ao desmatamento se transformarem em ações, o governo brasileiro talvez comece a entender as consequências de sua política antiambiental. (Por: Jaqueline Sordi)