Hora de consertar o curral
Leia nota da Coordenação do Observatório do Clima sobre as operações Carne Fraca, da PF, e Carne Fria, do Ibama, e a oportunidade que elas trazem de corrigir problemas da pecuária brasileira
SÃO PAULO/BELÉM/BRASÍLIA/CURITIBA – O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente demonstraram enorme coragem em deflagrar a Operação Carne Fria, contra a pecuária predatória na Amazônia. Ela ocorre num momento em que o setor da pecuária já está em xeque, com a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal. Consideramos que é melhor enfrentar o problema de uma vez a fingir que ele não existe. A dupla crise dos frigoríficos pode representar a chance para o Brasil de enquadrar de vez esse importante setor da economia nas boas práticas sanitárias, ambientais, trabalhistas e éticas das quais o agronegócio brasileiro tanto se gaba, mas que nem sempre pratica.
É fundamental que o presidente Michel Temer e o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, mudem a atitude que têm demonstrado em relação à operação da PF e deem todo o apoio ao Ibama. Insistir em matar o mensageiro em vez de escutar a mensagem implicará em custo elevado aos produtores que trabalham direito, ao aumentar a desconfiança da população em relação ao setor.
Apesar dos avanços inegáveis, a carne ainda tem uma lista extensa de pecados em sua cadeia. Eles vão da ocupação criminosa de terras públicas ao desmatamento e o trabalho escravo. A pecuária responde hoje por cerca de 56% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, devido ao desmatamento para pastagens e ao metano emitido pelo rebanho, segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do OC). Se fosse um país, o boi brasileiro seria um dos dez maiores poluidores do planeta, com 1.084 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em emissões brutas – logo atrás do Japão e à frente do Canadá e da Alemanha.
Ao contrário da agricultura, a pecuária ainda se notabiliza pelo uso ineficiente das terras que ocupa: de acordo com o sistema Terraclass, do Inpe e da Embrapa, 62% do desmatamento acumulado na Amazônia – mais de 700 mil quilômetros quadrados – está hoje ocupado com pastagens com menos de um boi por hectare, em média. As grandes empresas de proteína têm tido sucesso limitado em conter a ilegalidade e a ineficiência em sua cadeia de fornecedores. Um sinal disso é que a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu quase 60% nos últimos dois anos. Outro é a lista do trabalho escravo, que tem 86 criadores de gado entre seus 250 nomes, segundo dados do Ministério do Trabalho obtidos pela Repórter Brasil.
E isso tudo num setor que ao longo de décadas, e em especial neste século, tem recebido auxílios generosos do governo: do Plano Safra, que emprestou no último ano R$ 185 bilhões a juros subsidiados para a agropecuária, aos aportes bilionários do BNDES dentro da política das “campeãs nacionais”.
Em novembro do ano passado, o OC alertou em carta aos ministros Sarney Filho (Meio Ambiente) e Blairo Maggi (Agricultura) que o agronegócio brasileiro está longe de ser tão sustentável quanto o discurso oficial apregoa, mas que reúne todas as condições para sê-lo.
O governo e as empresas precisam aproveitar o momento de fragilidade do setor para limpar a cadeia da pecuária, em todos os sentidos.