Desmatamento na Amazônia (Foto: Agência Brasil)

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PL do mercado de carbono favorece desmatador

Texto da Câmara inclui artigos que afetam a credibilidade do mercado para fazer benesses ao agro e precisa ser recuperado no Senado, indicam ONG

30.04.2024 - Atualizado 06.05.2024 às 19:57 |

O texto do projeto de lei do mercado de carbono aprovado na Câmara dos Deputados abre brechas para a emissão de créditos em áreas de floresta com desmatamento ilegal. Se aprovado pelo Senado como está, o PL 182/2024 criará um mecanismo distorcido para o comércio de emissões de gases de efeito estufa no país, segundo nota técnica das organizações que integram o Observatório do Clima.

O PL, de autoria original do Executivo, cria o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões), e vinha sendo aguardado como uma medida crucial para reduzir a poluição climática no Brasil, sexto maior emissor mundial de gases de efeito estufa.

Mas o texto aprovado na Câmara em dezembro de 2023 passou por diversas modificações, desconsiderando grande parte do debate ocorrido anteriormente no Senado. Os deputados incluíram artigos sem conexão com um mercado regulado de carbono, o que pode prejudicar o instrumento. Além disso, o agronegócio, que havia exigido a própria exclusão do mercado, quer ganhar dinheiro vendendo créditos de carbono sem ter nenhuma obrigação de reportar ou reduzir emissões.

“O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa necessita de um arcabouço normativo que assegure confiança, transparência, solidez técnica e justa distribuição dos benefícios para o futuro mercado regulado. Pressões políticas para beneficiar setores ou grupos específicos têm de ser afastadas nesse processo legislativo, sob pena de se deslegitimar a ferramenta, bem como as negociações relacionadas a ela”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Brecha para o desmatamento ilegal

Segundo as organizações, o PL 182/2024 causa confusão ao tratar de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). A redação aprovada na Câmara propõe sistemas de contabilização que podem resultar em contagem dupla ou mesmo múltipla dos créditos. Isso afetaria a credibilidade do REDD+ e das medições das emissões no país, comprometendo a atração de recursos para o futuro mercado de créditos de carbono e para o financiamento da conservação ambiental.

Caso o PL seja transformado em lei, cada fazendeiro do Brasil poderá tirar sua propriedade da contabilidade nacional (que deveria ser única e federal) e gerar créditos a partir dela para o mercado. Isso poderia ocorrer mesmo que a propriedade tenha desmatamento ilegal.

“O PL 182/2024 ao criar quatro conceitos sobre REDD+, teve efeito contrário ao que imagino que seria o desejo do legislador. Trouxe, assim, uma enorme confusão e muito mais insegurança para os atores que atuam neste tipo de atividade. Ao se aprofundar somente em REDD+, o PL priorizou e definiu uma atividade potencial geradora de créditos de carbono sobre outras como, por exemplo, créditos de transição energética, de restauração florestal e até da agricultura”, diz Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.

Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Outro problema do texto aprovado pela Câmara é o artigo 47 do PL 182/2024, que define porcentagens mínimas de 50% dos créditos de carbono e de 70% dos decorrentes de projetos de REDD+ para povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.

Para o OC, é importante avançar no estabelecimento de critérios que assegurem justiça e equidade nas repartições de benefícios dos diferentes tipos de projetos. O texto aprovado, porém, não apresenta os critérios para a definição de tais porcentagens. Além disso, nenhuma entidade representativa de povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais foi consultada.

Tais porcentagens deveriam ser regulamentadas pela CONAREDD+, que tem entre suas competências justamente a de emitir resoluções sobre o estabelecimento e o cumprimento das salvaguardas, os pagamentos por resultados e o uso de recursos de pagamentos por resultados de REDD+ captados pelas entidades elegíveis. A comissão conta ainda com a representação de povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais, o que garante que a definição sobre os percentuais ocorrerá com maior segurança, participação social e a partir de critérios técnicos.

Na governança do SBCE, o PL aprovado pelos deputados cria uma Câmara de Assuntos Regulatórios, composta apenas pelos setores regulados. Além disso, desconsidera, por exemplo, que já existe a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a qual tem experiência normativa e diversas atribuições na política brasileira de mudança climática.

“Boa governança será fundamental para um mercado regulado de carbono funcionar bem no país. O projeto de lei aprovado pelos deputados não inclui a participação da comunidade científica nem da sociedade civil na governança do SBCE. Já contamos com a CIMGC, que poderia muito bem funcionar como um mecanismo de consulta ampla e participativa”, afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 107 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática (oc.eco.br). Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil (seeg.eco.br).

Informações para imprensa

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