Preconceito do consumidor impede adoção de carro elétrico, diz estudo
Pesquisa conclui que 87% das viagens diárias nos EUA, país que mais usa carros no mundo, poderiam ser feitas com modelo de veículo barato e que já está no mercado com uma carga por dia
DO OC
Nove em cada dez dias de uso de carro hoje nos Estados Unidos poderiam ser supridos por veículos elétricos baratos e que já estão no mercado hoje, com uma única carga de bateria. O resultado disso seria uma economia de gasolina – e das emissões de carbono correspondentes – de 60% no país que tem a população mais motorizada do mundo.
A conclusão surpreendente é de um estudo feito por pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e do Instituto Santa Fé, ambos nos EUA, publicado nesta segunda-feira (15) no periódico científico Nature Energy.
A pesquisa desmonta um dos principais mitos que ainda impedem a adoção mais ampla dos carros elétricos: a chamada “ansiedade de autonomia”. Segundo os cientistas, liderados por Jessika Trancik, do MIT, existe entre os consumidores uma noção de que veículos movidos a eletricidade não possuem autonomia suficiente para realizar os deslocamentos cotidianos necessários. Isso obrigaria os usuários a parar para recargas demoradas de bateria numa rede de “postos de eletricidade” que não existe hoje nem mesmo nos EUA.
Desconfiados dessa ladainha, Trancik e colegas resolveram olhar os dados. Eles compilaram uma pilha de informações disponíveis em várias bases de dados sobre o padrão de deslocamento de carro do cidadão americano médio em 12 cidades em todo o país. Essas bases existem graças ao GPS, que permite a programas como o Waze monitorar em tempo real o deslocamento de milhões de pessoas.
O que os cientistas descobriram foi que a maior parte das viagens de carro são curtas, especialmente nas cidades. E que 87% dos dias de uso de automóvel poderiam ser supridos usando um carro quase popular: o modelo 2013 do Nissan Leaf, um veículo que custa de US$ 21 mil a US$ 29 mil, menos do que a média de preço dos 94 carros mais vendidos nos Estados Unidos.
Trancik e colegas construíram um modelo de transportes que levasse em conta os deslocamentos e as variações no consumo de energia do Leaf com uma bateria de 19 kWh (por exemplo, se o ar-condicionado está ligado a autonomia cai) e chegaram à média de 73 milhas (117 km) por recarga. É mais do que suficiente para dar conta dos deslocamentos da maioria dos moradores das cidades estudadas. Supondo a média de uso dessas pessoas revelada pelos bancos de dados, a cada cem dias o uso de um carro a gasolina seria necessário em apenas 13. Na zona rural, onde as distâncias são maiores, esse número aumenta para 20. As recargas poderiam ser feitas em casa durante a noite, período de baixa demanda por eletricidade
O grupo se apressa em dizer que não dá para aposentar o carro com motor a explosão ainda: os 13% dos dias de viagem que sobram, afirmam, “tendem a envolver longas distâncias e direção em maior velocidade”, razão pela qual o consumo de gasolina não cai na mesma proporção do potencial aumento na adoção de veículos elétricos.
“Realizar esse nível de adoção exigiria que seus prospectivos donos tivessem acesso a outros veículos com maior autonomia para atender às suas necessidades”, escrevem os autores. “Prever os dias de maior [demanda por] energia e prover soluções convenientes – como por exemplo programas comerciais de compartilhamento de carros a combustão interna (…) ou modais alternativos de transporte – pode, portanto, ser crítico para aumentar a posse de veículos elétricos a bateria.”
No entanto, um carro elétrico que atendesse às metas do programa federal americano Arpa-e (Agência de Projetos Avançados de Pesquisa em Energia), de elevar a capacidade da bateria para 55 kWh, poderia atender a 98% da demanda americana. Uma bateria dessas deverá estar pronta para o uso comercial em poucos anos. Hoje, a meta climática americana de reduzir de 26% a 28% as emissões de gases-estufa em 2025 em relação a 2005 poderia ser cumprida com folga no setor de transportes usando carros elétricos, avalia a pesquisa.
“O trabalho de Trancik e colegas mostra como os veículos elétricos podem suprir a maior parte da demanda por deslocamentos, o que torna sua baixa adoção um mistério”, escreveu Willet Kempton, da Universidade de Delaware, em comentário ao estudo na mesma edição da Nature Energy.
Não bastasse a desconfiança do consumidor, os veículos a bateria ainda precisarão enfrentar uma ofensiva de propaganda da indústria fóssil nos EUA: os irmãos Koch, financiadores do negacionismo climático americano, estão bancando uma campanha de US$ 10 milhões para “bombar os combustíveis derivados de petróleo e atacar os subsídios do governo para carros elétricos”, segundo reportou o DeSmog Blog.